Nova York foi palco da maior feira de varejo do mundo promovida, de 16 a 18 de janeiro, pela National Retail Federation (NRF). Foram três dias intensos com mais de uma centena de palestras, mais de 500 expositores e cerca de 20 mil participantes de todo o mundo, mesmo com a incidência de novos casos da variante ômicron. Os protocolos referentes à Covid foram bem rigorosos, exigindo-se carteira de vacinação completa de todos, distribuição farta de máscaras, álcool gel e kits de teste gratuitos. Ainda havia os postos móveis fazendo testes PCR gratuitos para quem quisesse.
O Retail’s Big Show NRF normalmente representa uma viagem ao futuro. Lembro-me que enquanto o Brasil tinha a fatia de e-commerce crescendo de 5% para 10% no período pré-pandêmico, o comércio eletrônico na China e nos Estados Unidos já representavam 58% e 36%, respectivamente.
O slogan da NRF 2022 foi ACCELERATE. Ou seja, é tempo de acelerar ainda mais as mudanças e, na minha opinião, os três temas mais quentes nas palestras capturaram bem o espírito.
1. Agilidade, Adaptabilidade e Flexibilidade
Por mais que transformação digital tenha sido utilizada de maneira recorrente nos últimos dois anos, precisamos ser honestos e reconhecer que a pandemia não iniciou a digitalização que testemunhamos no varejo. Certamente tivemos uma revolução e não uma transformação, dada a velocidade que tudo aconteceu e ainda está acontecendo. Plataformas, live streaming, social selling e smart supply chain, por exemplo, já existiam. Essas tecnologias foram, sem dúvida, aceleradas e potencializadas, mas a mudança ocorre quando nos tornamos ágeis e flexíveis para nos adaptar a diversas situações, especialmente na transição do mundo VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo) para BANI (Frágil, Ansioso, Não linear e Incompreensível).
São inúmeras tecnologias e tendências para adotar e testar. O importante não é tentar prever o futuro, mas reagir rapidamente a ele, nos adaptar. Com esse nível alucinante de mudança acontecendo, é fundamental que tenhamos velocidade e ritmo para rapidamente colocar projetos em prática, reforçar o que deu certo e ter flexibilidade para redirecionar o que não deu.
Como nos ensinou Darwin, não é o mais forte que sobrevive, é o mais capaz de se adaptar. Seja aberto à mudança, às novas tecnologias e flexível para corrigir a rota.
O CEO da IBM, Arvind Krishna, falou sobre tecnologia e varejo na NRF 2022, compartilhando insights não apenas sobre o setor, mas também sobre aceleração e mudança em sua própria empresa.
Krishna e Jon Fortt, do “TechCheck” da CNBC, discutiram dez anos de transformação digital com foco em otimização de estoques, customização, Blockchain, criptomoedas, inteligência artificial e cadeia de suprimentos.
O “just in time” agora é “just in case”, disse Krishna. Ou seja, uma visão de longo prazo é cada vez mais importante – e a tecnologia pode e precisa ajudar. Isso inclui a necessidade de perceber qual será a demanda real do cliente, se a cadeia de suprimentos correta está em vigor para impulsionar a área de atendimento de forma a suportar e surpreender as demandas dos consumidores, que estão em mudança contínua.
A automação se torna essencial: Esta é uma tendência bastante óbvia, considerando o grande número de soluções em evidência na feira, incluindo robôs projetados para trabalhar ao lado de humanos em armazéns, circulando por áreas de display; picking baseado em grade e robôs fazendo entregas totalmente autônomas na calçada e na última milha.
O varejo sem atrito, também chamado de frictionless, está aqui para ficar: não há dúvida de que o entusiasmo dos consumidores por experiências de compras rápidas, convenientes e sem contato, o famoso autoatendimento, disparou durante a era do COVID-19. Claro, uma vez que os consumidores descobrem uma maneira mais fácil de fazer qualquer coisa, isso se torna a expectativa, e a tecnologia de varejo deve estar à altura da ocasião.
2. Customer Experience/Engagement e Metaverso
O cliente mais do que nunca está no centro. Mais do que experiência do cliente, precisamos falar em engajamento.
O CEO da Chewy, Sumit Singh, destacou no evento que a chave para o sucesso da empresa não é apenas priorizar os clientes, mas conectar-se com eles, mostrar empatia. A Target, por exemplo, criou a função de Chief Customer Care Officer.
Lee Petersen, VP da WD Partners, eleito o melhor palestrante em 2019, trouxe a ideia de que não se falou o suficiente sobre como o trabalho realizado de forma híbrida afetará os hábitos de consumo e, consequentemente, terá reflexos nas lojas físicas.
“As pessoas não irão mais às lojas porque precisam. Irão porque escolherão ir. Irão por desejo, por prazer, por escolha. Não mais por necessidade. Isso é uma grande transformação”, disse Lee.
Em estudo recente da WD, 100% das pessoas afirmaram que não pretendem mais trabalhar cinco dias por semana no escritório. Mais de 80% delas devem trabalhar metade do tempo em casa. É um novo estilo de vida que transformará o que conhecemos até aqui sobre varejo.
As grandes vencedoras serão as lojas locais, que se beneficiarão de uma força renovada de tudo que é do bairro. Os dados apontaram que 50% das pessoas estão particularmente interessadas em sistemas de pick up, em que você simplesmente para o carro, resgata sua mercadoria – de maneira impessoal e rápida – e segue para casa. Nas pesquisas, lojas locais, tanto de grandes quanto de pequenas marcas, geram interesse do consumidor. Não por acaso, gigantes como Target, Nike e Starbucks investem fortemente em operações menores, de bairro.
Outras operações que geram interesse são serviços em domicílio (35%), showrooms (33%), lojas pop-up (30%). E há interesse, inclusive, de que lojas em geral ofertem serviços em domicílio. Lee sugeriu que devem se tornar cada vez mais populares projetos como a cidade de 15 minutos — conceito idealizado por Carlos Moreno, arquiteto franco-colombiano.
Conveniência como influência – quem dita mudança não é a necessidade, mas a conveniência. A nossa casa é a grande vencedora na pandemia. Tudo gira a partir de casa, do home office ao delivery. Cada vez mais, o varejo físico se consolida como apoio ao digital, como hub, como minicentro de distribuição, como espaço de experiência e centro de serviços.
Além do “commerce anywhere” é tempo de “diversão anywhere”. É justamente aqui que entra o Metaverso, tão falado durante a NRF 2022. O maior alvo, as novas gerações Z (10 a 25 anos) e Alfa (abaixo de 10 anos) têm repertório, narrativa na discussão com os pais. Por serem digitalmente nativas, elas conseguem ser influenciadoras em várias decisões de compra familiares. O metaverso é consequência natural, facilitado pela onipresença do mundo dos games (Roblox, Fortnite, LoL, Minecraft, etc) e das criptomoedas.
Para as gerações anteriores – boomers, X e millenials -, o metaverso não é assim tão natural, ou seja, terão que aprender e se adaptar. Está chegando o momento em que as gerações Z e Alfa representarão 50% do poder de compra mundial. Por isso, estabelecer um relacionamento bem-sucedido com elas é questão de sobrevivência para as grandes marcas.
3. Omnichannel é onipresença
Patrice Louvet, CEO da Ralph Lauren, disse que, embora a empresa tenha aberto 80 lojas no ano passado, não está colocando todos as suas camisetas “polo” numa só cesta, numa referência ao recente investimento no metaverso. “Vivemos em um mundo omnichannel”, disse Louvet. “Precisamos estar onde o cliente espera que estejamos e precisamos estar lá de uma maneira que apoie a marca.”
A Ralph Lauren é uma das marcas de luxo que adotam o metaverso como a próxima fronteira do varejo. “Estamos no negócio de sonhos”, disse o CEO aos participantes durante uma discussão sobre abraçar a herança e a reimaginação. “Há uma grande consistência entre nossa filosofia e o que o metaverso traz”.
Segundo a Bloomberg, o metaverso é um negócio de US$ 800 bilhões em 2024. Tecnologias de Inteligência Artificial e da Realidade Aumentada vão melhorar a experiência do cliente e gerar novas fontes de renda para as empresa como, por exemplo, novos produtos digitais (NFTs, skins para avatares etc).
Marcas de luxo, em particular, estão olhando para as lojas virtuais do metaverso como uma forma de testar coleções e construir reconhecimento de marca, mas o Walmart parece estar se preparando para dar o salto também. A CNBC relatou que a empresa solicitou patentes relacionadas a criptomoedas, NFTs e outros esforços de merchandising vinculados ao metaverso.
Com apoio da tecnologia, as lojas físicas ganham novos papéis: agregam serviços, tornam-se de hubs inteligentes, alavancando e gerando dados de comportamento de mercados e consumidores.
“Até 2023, 75% dos negócios se valerão de Realidade Aumentada e Realidade Virtual. O metaverso é, sem dúvida, uma grande oportunidade de negócios”, disse na feira Spencer Ante, estrategista digital do Facebook IQ.
Claro que não é tudo para todo mundo. É necessário segmentação e hiper segmentação usando data science, analytics, inteligência artificial e machine learning em bases de dados capturadas com tecnologia de alta qualidade como RFID e reconhecimento facial. Só assim se conseguirá atingir o público certo, com os produtos e serviços certos, de maneira bem-sucedida.
4. Sustentabilidade, Diversidade, Equidade e Inclusão
Lembro bastante de uma propaganda que dizia: “Não basta ser pai, tem que participar”. Esse tema tem tudo a ver como isso. As novas gerações Z e Alfa estão cansadas de papo furado. Não será um discurso politicamente correto ou uma publicidade legalzinha que os convencerá. As marcas têm que se posicionar – “Walk the talk”. Precisam agir de acordo com o que estão pregando, seja na questão de aquecimento global, excesso de consumo, black lives matter, igualdade de gênero, inclusão de portadores de deficiência física e intelectual.
Meagan Loyst, investidora da empresa de capital de risco Lerer Hippeau e fundadora do grupo Gen Z VCs, disse que os menores de 25 anos, assim como ela, enxergam bem as marcas quando oferecem apenas serviços da boca para fora. “Muitas marcas, quando tentam alcançar a Geração Z, fazem uma campanha que é apenas “greenwashing”, uma “maquiagem verde”. Já James Fripp, da Yum! Brands, alertou: “Se você não está com um pouco de medo sobre o nível de inclusão que tem, você logo não será relevante”.
Numa das palestras mais aplaudidas dessa edição da NRF, Carla Harris, VP do Morgan Stanley, frisou que agora elas têm escolha e voz (Choice and Voice). Segundo a executiva, as ideias nascem de perspectivas diferentes, que nascem de experiencias diferentes por nascerem de pessoas diversas. “Então? Vai continuar mudando ou voltar ao que era antes? Todos gostam (e merecem) de ser ouvidos e vistos.”
Outro exemplo interessante é a história da Victoria Secret que de ícone de lingerie feminina foi escanteada. A marca pop nesse segmento hoje é a Parade que vende lingerie para todos, não só para as “angels”.
Quando o assunto é engajamento e responsabilidade, o importante é ter propósito e saber contar sua história, sempre com um propósito: praticidade, autorrealização, autenticidade, aventura.
Antes de tentar vender para as gerações Z e Alfa, o grande desafio é contratá-las para trabalhar nas empresas em que atuamos. Como entusiasmá-las? Um dos grandes tópicos é abraçar de vez o conceito ESG (meio ambiente, social e governança). Ser sustentável, inclusivo e socialmente responsável é a moeda de troca que as novas gerações esperam das empresas que pretendem engajá-las.
Em resumo, as grandes dicas para os líderes é que sejam autênticos e permitam que seus colaboradores e clientes também sejam. Pratique a inovação diariamente, teste, erre, teste de novo. Tenha um propósito, lidere com convicção e humildade. Coloque sustentabilidade e responsabilidade social de verdade no contexto de sua empresa. Seja eficiente, melhore sua operação, faça mais com menos, use a tecnologia como aliada. Entretenha e engaje seu cliente. Venda o que seu cliente quer, onde ele estiver.
E por que não? Divirtam-se.
George Millard é CEO da Mozaiko, empresa de analytics do Grupo Stefanini, que integra dados em tempo real para simplificar e otimizar processos de varejo e logística.